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2666

A literatura é um ofício perigoso.

A morte é um estado fácil de atingir na medida em que para morrer, vocês sabem. No entanto, é usual e compreensível entendê-la como um castigo penoso para o seu alvo e, não menos, para os que com ele convivem. A morte chega, egoísta, para pôr fim à vida e levar com ela o corpo, a voz e o cheiro do indivíduo cuja hora marcou. Não seria, então, fácil de compreender este sujeito como o prémio final, o cair do pano e consequentes aplausos, como a coroa da glória ou o erguer do troféu antes de ler Bolaño. Há em Bolaño um odor póstumo, fúnebre que indicia a cada frase um final iminente e, perdoe-me se me engano, desejado. Há na obra de Bolaño, que se confunde com a sua vida, um caminho cuidadoso para o fim e onde 2666 assume o papel de última morada. Acredito, aliás, que se a insuficiência hepática do chileno não se tivesse feito prever, Bolaño terminaria com um tiro nos cornos, como Hemingway, ou com uma corda ao pescoço, como David Foster Wallace. Se primasse pela saúde, Bolaño não sobreviria pelo simples facto de que o obrigariam a escolher entre a sua vida e a sua obra.


No que me diz respeito, se o hedonismo do autor o levasse a optar pela vida, matá-lo ia eu. Com uma faca no peito, ou na barriga, não sei bem. Talvez na barriga e subindo-a ao peito, para doer e ser trágico, para se poder contar. Depois de ler Bolaño, também nós, enquanto leitores, escritores, columbófilos ou padeiros, morremos. Morremos e voltamos à vida com uma amplitude de cinzentos alargada e com uma pistola na primeira gaveta da mesa do escritório. Há um momento na vida em que todo o homem se encontra a um final decente de ser grande. Fechei 2666 com a certeza que Bolaño terminou, rumo à glória eterna, na última palavra do livro.

 

Duarte Duval leu 2666 e enviou-nos este texto, que em reposta ao nosso pedido.

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«Um livro contra o esquecimento que, nas suas qualidades e nas suas imperfeições, é uma profissão de fé no poder da literatura.» Bruno Vieira Amaral