«Há uns dias, telefonou-me Horácio Castellanos Moya para me dizer que Bolaño estava hospitalizado, doente do fígado, grave, tu não lhe mandes os teus livros porque o camarada está muito mal, disse-me. De facto, já tinha dois exemplares empacotados e prontos para lhe enviar para a sua residência em Blanes, acompanhados de uma breve carta, escrita à mão, solicitando-lhe a sua participação neste manuscrito. Hoje de madrugada [14 de Julho de 2003], Roberto Bolaño faleceu.
Como uma espécie de pêsames literários, ou coisa parecida, transportei vários dos seus livros comigo durante todo o dia. Haverá melhor maneira de nos despedirmos de um amigo que se conheceu apenas através da sua literatura do que relê-la? Bolaño dissera que nunca se acaba de ler, ainda que os livros acabem, tal como nunca se acaba de viver, ainda que a morte seja um facto certo. Bolaño dissera que queria um enterro ao qual pudesse chegar pelos seus próprios pés ou, em alternativa, uma cerimónia viquingue: o morto, o seu filho e os seus amigos fantasmas, mais ninguém. Lá estarei eu, então, entre tantos amigos fantasmas, quando as suas cinzas forem espalhadas no mar pelo seu filho Lautaro.
Para mim, digo, ou talvez o tenha dito Bolaño numa entrevista qualquer, é difícil responder à pergunta acerca da razão pela qual escrevo um livro. Certamente porque é aquilo que sei fazer melhor. Certamente, Roberto.»
Um excerto de O Anjo Literário, de Eduardo Halfon (Cavalo de Ferro 2008, trad. de Sofia Castro Rodrigues e Virgílio Tenreiro Viseu), publicado no Bibliotecário de Babel. A imagem é a fotografia que ilustra a edição original (Alfaguara, 2004) do livro de Halfon.